18 de outubro de 2011

Interespectador




Em um prédio do Citi Bank na Av. Paulista, há uma área reservada para exposições artísticas, acredito que voltada apenas para a arte das esculturas e talvez também de quadros e pinturas.

A exposição que está lá agora (não vou me lembrar o nome), é de um japonês (o qual também não lembro o nome) e é voltada para esculturas com cubos, espelhos e cores e também há uma parte interativa e, por causa desta parte, ele criou um “slogan” ou apenas uma frase para seu trabalho.

“E assim nasce o interespectador, o espectador que interage”.

Pra mim, é um pouco de prepotência ele imaginar que foi ele quem criou isso.

Acredito que o motivo de ele ter afirmado tal coisa foi pelo fato de ter feito uma parte da exposição onde você escolhe “valores” que você tem e é, e a partir deles uma imagem se forma (não consegui ver um único sentido na imagem que se formou da minha “personalidade”, e olha que meu cérebro adora brisar).

Mas quem disse que para interagirmos com algo, precisamos tocar nesse algo, ajudar na criação?

Nós interagimos com exatamente TUDO o que está à nossa volta, inclusive com aquelas esculturas e relíquias e quadros que estão na Pinacoteca do Estado e no Museu do Ipiranga aqui em São Paulo e onde há sempre grandes (ou apenas chamativos) avisos de “não toque!” (ou proibido tocar, não encoste, tanto faz a variação das palavras imaginadas que expressam o fato de não podemos nem relar na referida obra de arte).

Para uma interação existir, não é necessário que aja contato físico entre duas coisas, objetos ou qualquer outra coisa. Afinal, dois imãs precisam se tocar para influenciar um ao outro? Você precisa ver a pessoa que ama para sentir amor por ela? Você precisa tocar em uma pessoa para passar uma mensagem a ela?

Não, não precisa.

As interações entre coisas, pessoas, entre obra e espectador, vão muito além do contato físico. Tal contato é apenas uma delas, e talvez nem mesmo a mais intensa. Se você toca um quadro de olhos fechados, nunca vai conseguir absorver a mensagem que o pintor quis te passar.

Agora mesmo, por exemplo, você está interagindo com as minhas palavras, pois, enquanto as lê, seu cérebro imagina coisas, faz suposições, pensa e analisa o que está sendo lido, se pergunta se eu tenho algum problema ou sou apenas estranho (talvez essas últimas aconteçam se você já tiver lido alguns dos meus outros textos, como o “A brisa exemplificada” ou “Divagações de um Jovem Insone”).

Quando você vê uma pintura ou escultura, analisa os traços e curvas, cores e volumes, tenta entender o que realmente significa aquilo e, talvez, indo mais longe, o que o artista quis dizer, passar, ao pintar/ fazer tal obra.

Não há um instante sequer onde não interagimos com algo ou alguém, isso sem contar as interações do nosso corpo com o ambiente também, além das outras coisas e pessoas. Interagimos física, intelectual ou emocionalmente com tudo, não importa o que seja, pois nossa mente nunca deixa de trabalhar, e se nós vimos/ sentimos/ cheiramos/ tocamos/ nos emocionamos/ sentimos o gosto/ ouvimos algo, nossa mente capta e processa, analisa e, assim, mesmo que a interação não saia de dentro das nossas cabeças ou corpos, nós interagimos com aquilo que foi captado pelos nossos sentidos, seja apenas ignorando, ou então nos excitando, alegrando, entristecendo, sentindo fome, desejo, vontade de comer, pena, medo ou todas as outras infinitas coisas que podemos sentir quando interagimos com algo.

E há outro detalhe que os mais observadores podem perceber. O artista da exposição do banco, fala sobre o interespectador na arte, e muitas coisas que eu disse aqui não são arte.

Mas quem disse que não são?

Uma comida, por exemplo, é a arte gastronômica de um cozinheiro, uma bela mulher, é a arte escultural de Deus (ou então de uma clínica de estética), as palavras ditas pelas pessoas nas ruas, são as artes (ainda que rudimentares, algumas vezes [ou várias]) de suas próprias mentes, e assim por diante.

Então, meu caro amigo japonês, me desculpe, mas não foi você quem criou o interespectador.

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