6 de janeiro de 2012

Uma balada de primavera – Terceira parte - A mudança de estações


Foi dessa forma que o inverno de sentimentos se estendeu.

A neve caía forte por todos os lados, mergulhando a maestrina cada vez mais, criando uma crosta de gelo ao redor do seu coração. Aos poucos, o sangue deixava de escorrer, ainda que ainda fosse abundante e profuso. O coração batia desritmado e nada era possível fazer para que assim deixasse de ser. O frio e o gelo foram isolando pouco a pouco a mente do coração, para que assim a mente pudesse parar, algum dia, de se importar e pensasse nela apenas.

O maestro, como sabemos, sofreu. Mas achava que não sofria. Achava que não sangrava, achava que estava inteiro, completo consigo mesmo. Não dependia de ninguém, a felicidade e o amor agora eram mais um complemento para o seu bem estar, não essencial para ele.

Como uma mente pode se enganar tão cruelmente...

O grande inverno chegava próximo ao seu auge.

Maestro e maestrina percorriam caminhos soterrados por quilômetros de neve. O maestro corria pelas profundezas sem ver o Sol, mas achando-o que a luz que seus olhos viam era dele. Pobre homem, enganado pelo reflexo de vagalumes na neve.

A Lua e o Sol, as estrelas, nada mais disso existia no céu do maestro. Ele os tinha abandonado assim que deixou o tão espetacular teatro.

Fala-se tanto deste teatro, mas não se chega a descrevê-lo.

Imagine um lugar grande, formidável, enorme, gigantesco! Agora adicione um palco maravilhoso, preenchido quase em sua totalidade por belíssimos instrumentos de madeira e metal, todos tão reluzentes que, ao cair da noite, o brilho refletido das estrelas era capaz de iluminar todo o grande teatro.

No alto, a abóbada gigantesca abria-se ao infinito, revelando os astros infindáveis que coalhavam o céu. Deixava-se ver o Sol, a Lua e todas as estrelas, galáxias. Podia-se contemplar todo o universo daquele lugar.

Quem regia a visão que se podia ter dali era a própria música, os próprios instrumentos. Quando maestro e maestrina faziam tocar uma música mais lenta e triste, o céu fechava-se com nuvens e chovia, molhando a tudo e a todos, pois a música era tão intensa, os sentimentos tão poderosos, que tudo ao redor era contagiado pela vibração que emanavam.

Em dias de músicas alegres e animadas, o céu brilhava fulguroso com os raios do Sol a despejar sua cor azul por todos os lados. O brilho refletido pelos instrumentos era tão intenso que podia-se vê-lo a quilômetros e mais quilômetros de distância. A plateia ficava deslumbrada e emocionada com todo aquele brilho, aquele calor, que não cegava, apenas iluminava cada vez mais.

Nas músicas românticas, o céu estrelado tornava-se infinito. Aquele que o contemplasse ao som da melodia poderia fixar uma estrela a bilhões de anos-luz da Terra. Estrelas cadentes riscavam o céu incessantemente, fazendo apenas aumentar o brilho do espetáculo, enchendo os outros corações de intensa alegria.

Ah, e o lugar para a plateia! Não havia um público máximo. Aquele teatro era capaz de abarcar infinitas pessoas. Todos os que quisessem contemplar aquele espetáculo de sentimentos poderia entrar e se sentar confortavelmente, e então se deslumbrar com a magia da sinfonia dos campos de pinheiros, sentindo o coração apertar-se de pura felicidade ao ver o imenso amor e harmonia que uniam aquele maestro e sua maestrina.

Isso tornou-se passado. Tudo isso não é mais real.

Com o abandonar do maestro no meio do espetáculo, logo os instrumentos desafinaram cruelmente e público se dispersou, pois a nova música que se ouvia era triste e lamuriosa, um silêncio assustador, dilacerado apenas pelo som do choro da maestrina, do bater de suas lágrimas no palco.

Agora o céu que se vê da abertura do teatro é negro e sem vida. A neve cai incessantemente por ele, pesando cada vez mais em toda a sua estrutura que range e cede cada vez mais. Os ecos, lembranças, da música se esforçam, mas não são mais capazes de impedir aquele fim trágico de tão majestoso monumento.

Os instrumentos agora estão soterrados pelo branco sujo que reflete apenas o vazio. Os assentos estão ocupados, mas apenas pela mesma neve que congela aos poucos toda aquela criação.

O inverno de sentimentos é cruel e estava fadado a existir para sempre.

Do lado de fora, muito ao longe, os vagalumes se apagaram do caminho do maestro e ele ficou cego. Perdido na escuridão, seu coração quebrou a barreira imposta pela mente e então, finalmente, a dor chegou até ele, intensa, por todo o seu corpo. Lágrimas e dúvidas e mais dor. Finalmente, um pensamento, mas dessa vez ordenado pelo coração. A mente aceitou e, então, uma batida pulsou em seu peito.
Dava-se início ao outono da esperança.


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