Foi dessa forma que o inverno de
sentimentos se estendeu.
A neve caía forte por todos os lados,
mergulhando a maestrina cada vez mais, criando uma crosta de gelo ao redor do
seu coração. Aos poucos, o sangue deixava de escorrer, ainda que ainda fosse
abundante e profuso. O coração batia desritmado e nada era possível fazer para
que assim deixasse de ser. O frio e o gelo foram isolando pouco a pouco a mente
do coração, para que assim a mente pudesse parar, algum dia, de se importar e
pensasse nela apenas.
O maestro, como sabemos, sofreu. Mas achava
que não sofria. Achava que não sangrava, achava que estava inteiro, completo
consigo mesmo. Não dependia de ninguém, a felicidade e o amor agora eram mais
um complemento para o seu bem estar, não essencial para ele.
Como uma mente pode se enganar tão
cruelmente...
O grande inverno chegava próximo ao seu
auge.
Maestro e maestrina percorriam caminhos
soterrados por quilômetros de neve. O maestro corria pelas profundezas sem ver
o Sol, mas achando-o que a luz que seus olhos viam era dele. Pobre homem,
enganado pelo reflexo de vagalumes na neve.
A Lua e o Sol, as estrelas, nada mais disso
existia no céu do maestro. Ele os tinha abandonado assim que deixou o tão
espetacular teatro.
Fala-se tanto deste teatro, mas não se
chega a descrevê-lo.
Imagine um lugar grande, formidável, enorme,
gigantesco! Agora adicione um palco maravilhoso, preenchido quase em sua
totalidade por belíssimos instrumentos de madeira e metal, todos tão reluzentes
que, ao cair da noite, o brilho refletido das estrelas era capaz de iluminar
todo o grande teatro.
No alto, a abóbada gigantesca abria-se ao
infinito, revelando os astros infindáveis que coalhavam o céu. Deixava-se ver o
Sol, a Lua e todas as estrelas, galáxias. Podia-se contemplar todo o universo
daquele lugar.
Quem regia a visão que se podia ter dali
era a própria música, os próprios instrumentos. Quando maestro e maestrina
faziam tocar uma música mais lenta e triste, o céu fechava-se com nuvens e
chovia, molhando a tudo e a todos, pois a música era tão intensa, os
sentimentos tão poderosos, que tudo ao redor era contagiado pela vibração que
emanavam.
Em dias de músicas alegres e animadas, o
céu brilhava fulguroso com os raios do Sol a despejar sua cor azul por todos os
lados. O brilho refletido pelos instrumentos era tão intenso que podia-se vê-lo
a quilômetros e mais quilômetros de distância. A plateia ficava deslumbrada e
emocionada com todo aquele brilho, aquele calor, que não cegava, apenas
iluminava cada vez mais.
Nas músicas românticas, o céu estrelado
tornava-se infinito. Aquele que o contemplasse ao som da melodia poderia fixar
uma estrela a bilhões de anos-luz da Terra. Estrelas cadentes riscavam o céu
incessantemente, fazendo apenas aumentar o brilho do espetáculo, enchendo os
outros corações de intensa alegria.
Ah, e o lugar para a plateia! Não havia um
público máximo. Aquele teatro era capaz de abarcar infinitas pessoas. Todos os
que quisessem contemplar aquele espetáculo de sentimentos poderia entrar e se
sentar confortavelmente, e então se deslumbrar com a magia da sinfonia dos
campos de pinheiros, sentindo o coração apertar-se de pura felicidade ao ver o
imenso amor e harmonia que uniam aquele maestro e sua maestrina.
Isso tornou-se passado. Tudo isso não é
mais real.
Com o abandonar do maestro no meio do
espetáculo, logo os instrumentos desafinaram cruelmente e público se dispersou,
pois a nova música que se ouvia era triste e lamuriosa, um silêncio assustador,
dilacerado apenas pelo som do choro da maestrina, do bater de suas lágrimas no
palco.
Agora o céu que se vê da abertura do teatro
é negro e sem vida. A neve cai incessantemente por ele, pesando cada vez mais
em toda a sua estrutura que range e cede cada vez mais. Os ecos, lembranças, da
música se esforçam, mas não são mais capazes de impedir aquele fim trágico de
tão majestoso monumento.
Os instrumentos agora estão soterrados pelo
branco sujo que reflete apenas o vazio. Os assentos estão ocupados, mas apenas
pela mesma neve que congela aos poucos toda aquela criação.
O inverno de sentimentos é cruel e estava
fadado a existir para sempre.
Do lado de fora, muito ao longe, os
vagalumes se apagaram do caminho do maestro e ele ficou cego. Perdido na
escuridão, seu coração quebrou a barreira imposta pela mente e então,
finalmente, a dor chegou até ele, intensa, por todo o seu corpo. Lágrimas e
dúvidas e mais dor. Finalmente, um pensamento, mas dessa vez ordenado pelo
coração. A mente aceitou e, então, uma batida pulsou em seu peito.
Dava-se início ao outono da esperança.
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