Foi assim que o outono começou. Breve
outono.
Um pulsar de intensa dor despertou o
maestro de seu túmulo de neve. Junto com a dor, veio o amor. Mais uma vez eles
sentiu-se inundado por aquele tão grandioso amor que havia construído sua
saudosa casa de espetáculos.
Sim, a dor era inundada de imensa saudade.
A mente se encolheu ante a força do coração
e, vendo que não era páreo para aquele tão intenso sentimento, recuou cada vez
mais, então cedeu. Sim, ela sabia, aquela era a lógica do sentimento, a razão
da emoção, e ela estava muito mais certa do que a mente. Era a única certa.
Sem pensar em procurar uma saída para a
tumba de seu coração, o maestro se lançou para a neve acima dele, cravando suas
unhas nela, arrancando grandes pedaços de cada vez.
Ele foi subindo e subindo. Pelo caminho,
deixava um rastro de sangue de suas mãos que se machucavam na neve dura e
cruel. O maestro não se importava. A dor era a consequência da sua escolha. Ele
precisava senti-la.
Enfim, emergiu em um grande deserto frio. A tempestade caía forte, impedindo-o
de descobrir para que direção ficava seu teatro.
O desespero começou a tomá-lo, lágrimas
rolaram por suas faces, quentes, derretendo as gotas úmidas de gelo que se
fixavam em sua pele. Num pânico súbito, ele gritou com a mente, voz e coração,
o nome de sua tão amada maestrina.
Ao contrário do que se pensa, o som não foi
abafado pela cortina de neve. Não. Na verdade, ele a desfez.
O som de seu grito foi tão estrondoso que
abalou a tempestade, que recuou, temerosa diante de tamanha intensidade de dor
e sentimento. Os últimos flocos caíram flutuando para o chão.
Logo a sua frente, a quilômetros de
distância, o maestro viu a silhueta coberta de neve de sua casa de espetáculos.
Ele podia pensar em diversos nomes para ela: Campo de Pinheiros, Vale da Lua,
Planície do Sol, Estrela Vespertina ou qualquer outro que envolvesse qualquer
uma dessas coisas, mas um único nome nunca poderia abarcar toda a significância
que tinha aquele lugar, toda a sua verdadeira essência. Aquele teatro era um
lugar onde o Sol, a Lua e as Estrelas se encontravam em harmonia, onde cada um
deles representava um pedaço, mas nunca a totalidade, pois ela era tão infinita
quanto o universo, ou talvez até mais.
E então ele correu. O maestro correu e
correu, gritando o nome de sua amada, chamando por ela, clamando por seu
perdão. Ele correu até que suas pernas não podiam mais se mover, e então ele
foi ao chão.
A neve derretia por todos os lados,
relevando pequenas imperfeições no terreno. Ele havia tropeçado em uma pedra
escondida.
As pesadas nuvens do céu se desfaziam
lentamente, mas o Sol ainda estava oculto, assim como a Lua e as Estrelas. No
teatro, porém, a neve ainda continuava intacta.
Lágrimas rolaram pelo rosto do maestro
quando sua esperança ameaçou vacilar. Será que estava tudo perdido? Será que
ele tinha jogado fora a chance de ser feliz.
Muito ao longe, tão baixo que ninguém
escutou, ouviu-se uma voz. Na realidade, ninguém poderia escutar aquele
chamado, mas ele o ouviu. Levantou a cabeça, o coração desritmado em disparada.
Sim, ele reconheceria aquela voz em
qualquer lugar, no meio de um furacão. Era a voz da maestrina.
Ele não podia vê-la, mas sabia que estava
ali, em algum lugar, além dos limites do teatro. Ele então se levantou e
correu, correu ainda mais, cada vez mais. O teatro chegava cada vez mais perto.
Suas enormes portas estavam abertas para ele, pois um sentimento tocava mais
uma vez dentro do teatro, um único sentimento, forte, porém ainda solitário,
ecoando suas notas lugubremente pela estrutura sobrecarregada de dor e
tristeza.
Adentrou o complexo com extrema ansiedade,
vasculhando-o inteiro em busca de sua amada.
No palco, um solitário violino meio
enferrujado fazia suas notas ressoarem pelo ambiente. Ele estava sozinho ali.
Mas não completamente. Sentia, em seu íntimo, a presença da maestrina. Ela
estava longe, mas presente em pensamento. Ele chorou e pediu perdão ao sentir a
dor dela. Chorou muito, principalmente com o coração e, enfim, ela o perdoou.
Estava voltando para ele.
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