Por vezes as lágrimas ainda escorriam do
rosto do maestro e ameaçavam cair sobre as cordas do violino da esperança. Uma
ou outra vez, seu arco falhou na umidade, mas ele não parou de tocar.
A chuva caía mais e mais forte, até que ele
se viu isolado no palco. Não enxergava seus amigos nas cadeiras, não ouvia som
algum que não fosse o trovejar dos raios e o duro som da torrente de água que
caía do céu. Era como se todos os oceanos estivessem sendo derramados em cima
dele. A causa daquela chuva, como tudo naquele teatro, era os sentimentos dos
dois, e a maestrina estava lá, distante, entregando-se à dor, sofrendo e
chorando e, assim, fazendo chover no teatro.
A água fria encharcava o maestro até os ossos
e mais além. Chegava ao seu espírito e, em certo momento, ele estremeceu. Um
estremecimento do fundo da alma. Quando isso aconteceu, uma corda do violino se
rompeu. O desespero ameaçou tomar o coração do maestro, mas ele não parou de
tocar.
Por fim, suas pernas perderam sua força e
ele caiu de joelhos. Ainda assim, ainda se podia ouvir o som de sua música,
triste, lamuriosa, desesperada.
Não mais ouvia ou até mesmo sentia a
maestrina. Sentia, sim, é que estava morrendo. Morrendo por se entregar ao
desespero, por se entregar à dor, por imaginar que nunca mais poderia sentir o
toque suave de sua amada, ouvir sua voz doce, beijar sua boca, abraçar seu
corpo.
Mas de que adianta desistir? De que adianta
se entregar? Deixar de lutar significa morrer em sentimento. Persistir na
batalha significa que ainda há esperança, por mínima que ela seja.
À distância, a maestrina permanecia presa
por grilhões que poderiam ser mais fortes que ela. Ou então poderiam se romper
se ambos unissem suas forças contra os elos.
Um joelho se ergueu e um pé encontrou
novamente o chão. O maestro fez força, tentando se levantar sem deixar de
tocar. As notas falharam e escorregaram pelo palco, desritmadas. As forças de
suas pernas se recusavam a voltar, mas ele se esforçou, suou debaixo de toda
aquela chuva, mas a água que caía era forte, muito forte, como enormes tsunamis
vindos diretamente de todos os céus com o único objetivo de mantê-lo no chão.
Ele permaneceu ali lutando e se esforçando
ao máximo, sem cair mais, mas sem conseguir nenhum progresso. Foi quando ele
sentiu o toque.
Seu coração saltou no peito, reassumindo
momentaneamente um ritmo mais forte ao imaginar que poderia ser a bela
maestrina. Mas não, ele sabia, conhecia seu toque, e aquelas não eram as suas mãos.
Aqueles eram seus amigos.
Eles o ergueram do chão e o mantiveram em
pé. Lágrimas escorreram pelo seu rosto ao olhar aqueles rostos que só queriam o
seu bem. Um deles trazia uma nova corda para substituir a que tinha se rompido.
Ele colocou-a e voltou a tocar, amparado por eles, que agora eram a força que
lhe faltava. E assim a música continuou. Não perdia-se mais tão completamente
em meio ao rugido da chuva, mas também não ia tão longe assim.
Os sentimentos dentro dele se agitaram, mas
ainda não eram capazes de produzir sons. Podiam, porém, abrandar aquela
tempestade.
Em pouco tempo, a enorme torrente
transformava-se em pouco mais que uma garoa, sem vento ou raios, calma.
A Terceira Sinfonia dos Campos de Pinheiros
foi marcada e sempre será lembrada pela grande tristeza de suas notas, pela
suavidade de seus sons quase apagados, pelas lágrimas que desperta em qualquer
um que a ouça com o coração. Será marcada pela morte da esperança e, depois,
pelo renascimento desta.
1 comentários:
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