7 de março de 2011

Uma pequena nova História.

Passava um pouco do meio dia de uma tarde tranqüila em uma pequena cidade de algum lugar por aí. Fazia calor e o vento quente soprava pelas ruas ainda vazias. Em mais alguns minutos, tocaria o sinal da escola e elas se encheriam de alunos, crianças e adolescentes, no caminho para casa.
Não havia uma única nuvem no céu azul, com o Sol a pino. Uma bela tarde para se passar em uma piscina, não estudando.
O calor se desprendia em ondas do asfalto aquecido o suficiente para se fritar um ovo tranquilamente, quando um som estridente cortou os ares ao redor de um pequeno prédio. Em seguida, veio um barulho tão alto que parecia uma manada estourando. Pés golpeavam ferozmente o chão na ânsia de saírem para o ar livre. Em mais alguns segundos a primeira criança atingiu o exterior. Em outro segundo as ruas se encheram da algazarra de dezenas de vozes que conversavam e gritavam, riam e se despediam.
A multidão engrossou na porta da escola, pois os alunos esperavam os amigos e irmãos de outras salas para poderem ir para casa. Como eu disse, era uma cidade pequena, tranqüila, os pais não iam buscar os filhos na escola, não havia perigo.
Cerca de quinze minutos depois, a agitação já estava espalhada pelas ruas ao redor da escola, apenas algumas poucas crianças permaneciam perto do portão. Uma delas era a pequena Isabela.
Seus cabelos negros eram completamente lisos e tão brilhantes que quase se podiam usar como um espelho. Tinha apenas nove anos e era ligeiramente pequena para a idade. Seu rosto, porém, era belo, com lindos olhos verdes cor de topázio, redondos, um nariz pequeno e reto com várias sardas espalhadas por ele e por suas bochechas cheias. Quando sorria, duas lindas covinhas apareciam de cada lado. Era uma garota encantadora.
Isabela não era tão extrovertida e bagunceira quanto seus amigos e sempre era uma das últimas a sair da escola. Mas isso acontecia principalmente porque era pequena e tinha medo de se machucar sendo forçada a correr entre os garotos atrapalhados.
Neste dia ela ia ainda mais devagar. Tinha recebido a correção de uma prova e admirava sua nota: 10. Estava feliz e orgulhosa, ansiosa por mostrar à sua mãe. Ainda assim, ia devagar, relendo a prova. Sim, Isabela era uma garota muito estudiosa também.
Saiu para o Sol escaldante e apertou os olhos quando a luz cegou-os. Sua pele branca desprotegida nos braços e pernas ardeu com o contato e ela parou um pouco, olhando ao redor. Suas amigas sempre iam embora rápido, até porque nenhuma delas morava na mesma direção que Isabela. Na verdade, ninguém morava naquela direção.
Isabela era filha única, órfã de pai, e morava em uma casa humilde quase fora da cidade com sua mãe, que trabalhava o dia inteiro fora de casa, o que significava que Isabela sempre ficava sozinha, todos os dias, então não havia motivo para voltar rápido. Até porque ela gostava de apreciar a paisagem da cidade e dos arredores. Muitos morros e matas se estendiam para todos os lados ao redor da cidade e sua casa ficava em um deles, então ela tinha uma visão privilegiada no caminho de volta.
Na cidade também havia coisas bonitas. Uma casa em especial que ficava perto da escola, sempre chamava a sua atenção.
Naquele dia, porém, ela não prestava atenção no caminho, meditava na forma de mostrar a prova à sua mãe, que sempre incentivava seus estudos e ficava feliz quando ela tirava boas notas.
A prova ainda estava em sua mão quando ela parou para atravessar a rua. Olhou para os lados e viu um caminhão se aproximando em alta velocidade. Continuou na calçada e esperou o caminhão passar. Logo depois que ele passou, uma rajada de vento muito forte, causada por ele, atingiu-a, levantando muita poeira do chão (algumas ruas eram de terra, então as partes que tinham asfalto geralmente ficavam sujas também). Ela fechou os olhos e protegeu o rosto com as mãos. Com este gesto acabou soltando sua prova, que voou pelos ares, carregada pelo vento.
Ao perceber que a tinha perdido, abriu os olhos, ainda em meio à nuvem de pó. Tossiu quando respirou e muita terra entrou em seus olhos, impossibilitando-a de enxergar. Resolveu esperar a poeira abaixar, o coração batendo forte na calçada, com medo de perder a folha. Pouco mais de um minuto depois, arriscou abrir os olhos novamente. O ar já estava limpo.
Procurou rapidamente sua folha ao redor. Estava lá, no meio da rua, toda suja. Olhou para os dois lados novamente, mas não vinha mais nenhum carro. Saiu correndo atrás da folha, mas antes que chegasse muito perto, uma nova rajada de vento levantou-a.
Isabela correu atrás da prova levada pelo vento por quase um quarteirão, sem nem notar onde estava, até que a viu entrando através do portão de uma casa. Ela parou há uns três passos dele. Só nessa hora teve ideia de onde estava.
Na cidade também havia algumas coisas interessantes para se ver, e essa casa era uma delas.
Seus portões de ferro com três metros de altura e folhas duplas cerravam, junto com um muro tão alto quanto, uma grande propriedade que, outrora, fora bela e imponente. Hoje o mato estava alto e irregular no jardim, havia uma árvore morta a um canto.
No centro do terreno, no alto de uma pequena elevação, erguia-se, imponente, apesar dos visíveis danos à pintura e algumas janelas quebradas, uma grande casa senhorial de três andares, dezenas de janelas e uma porta dupla no meio. No alto, perto do telhado, uma clarabóia permanecia aberta a anos, tantos quantos aquela casa estava abandonada, o que ninguém sabia dizer com certeza.
Ninguém na cidade se lembrava de um dia ter visto aquela casa habitada. Até mesmo os moradores mais antigos da cidade contam que seus pais e os pais de seus pais sempre viram aquela casa do jeito que era: vazia, abandonada.
Ninguém se aventurava a entrar lá. As pessoas tinham medo, até mesmo à luz do dia. Não sabiam dizer o que era, mas apenas de chegar perto daquele portão sentiam um aperto no peito, um gelo no coração, uma sensação de que não se devia entrar.
Alguns já haviam tentado, é claro. Garotos pagando apostas e coisas assim, mas também a prefeitura que, mais de uma vez, tentara demoli-la. Nenhum deles nunca havia passado do portão.
Este parecia feito de ferro maciço e não apresentava grandes sinais de corrosão, apenas descasamentos na pintura. Os garotos tentavam pular os muros que eram forrados de trepadeiras, as quais usavam para escalar. Só que eles não conseguiam chegar ao alto. Na metade do caminho, na maioria das vezes, as trepadeiras nas quais se seguravam acabavam se soltando e eles caíam. Eles tentaram subir até que um dia um garoto quase conseguiu, chegando a segurar no topo do muro, mas inexplicavelmente, ele acabou escorregando e caiu os três metros direto para o chão, o que causou uma fratura exposta na sua perna. Eles não tentaram mais.
A prefeitura tentou arrombar o portão, mas mesmo depois de uma hora com um maçarico, não conseguiram sequer esquentá-lo direito.
Deixaram a casa de lado, dizendo que era amaldiçoada. Ninguém passava por aquela rua a pé se pudesse impedir, apenas uma pessoa: Isabela.
Ela não tinha medo da casa. Na verdade, não sabia exatamente se tinha ou não. O fato era que a casa a atraía de um modo diferente, assustador, mas ao mesmo tempo empolgante. Sempre tivera vontade de entrar ali, mas nunca chegara mais perto do que aqueles três passos do portão. Alguma coisa, dentro dela, dizia que três passos era uma distância segura a se manter, ainda que ela não soubesse do que precisasse ter segurança. A casa não parecia amaldiçoada para ela, apenas abandonada.

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