10 de março de 2011

continuação

Quando acordou, demorou algum tempo para perceber onde estava.
Antes de abrir os olhos, quando recuperou a consciência, a primeira coisa que sentiu foi uma forte dor na cabeça. Talvez não fosse tão forte, mas ela era uma criança e crianças sentem dores com mais intensidade que adultos.
Seus olhos estavam pesados, mas pelo menos o coração e a respiração haviam voltado ao normal.
Usou os braços para sentar no chão e abriu os olhos. Olhou em volta sem entender.
Estava em um quarto vazio e pequeno, com paredes nuas onde a pintura descascava em vários pontos. Exatamente à sua frente, havia um umbral de porta vazio, com apenas a escuridão do outro lado.
Olhou por ele e lembrou onde estava.
Na mesma hora soltou um grito abafado e o coração acelerou, o medo voltando a circular pelas suas veias.
Ainda que estivesse escuro no quarto, ela podia enxergar com certa clareza. O que ela não percebeu era que não havia uma única luz no lugar. Ainda assim, podia se enxergar perfeitamente e ver até o outro lado do quarto, menos o espaço que se estendia além da porta.
Um vento gelado soprou por ali, fazendo-a se arrepiar inteira e tremer de frio em poucos segundos.
Imagens desconexas começaram a se formar na sua mente. Sombras com garras que pingavam sangue, gritos de mulheres, o som de unhas arranhando a madeira, passos que retumbava em corridas frenéticas, respirações ofegantes, um umbral vazio, um céu escuro, sem estrelas, sem luz, sem vida.
Sentiu que algo deslizava pelo seu corpo vindo da parede. Gritou aterrorizadamente e saiu correndo pela porta aberta sem olhara para trás, batendo em seu corpo com as mãos, tentando se livrar do que quer que pudesse estar nele, da sensação do toque frio daquela coisa.
“Eu quero sair daqui! Socorro!” ela gritou em pensamento, sem conseguir colocar o ar para fora na forma de palavras.
Atravessou uma nova porta e se deparou em uma sala circular e ampla, cheia de janelas altas e estreitas.
Foi correndo até a que se encontrava na sua frente e olhou por ela. Via apenas a escuridão no céu e aquele gramado mal cuidado estendendo-se infinitamente para frente. Correu para a direita, olhando por todas as janelas. Cada uma delas mostrava apenas o que as outras não escondiam: o céu escuro e o gramado infinito.
Correu ao redor da sala mais de uma vez até perceber que ela não possuía mais porta. Estava presa em uma sala com janelas que mostravam apenas uma coisa: ela nunca sairia dali.
Parou no centro da sala olhando para todos os lados rapidamente, fitando cada janela atentamente, tentando pegar de surpresa um vislumbre do portão que dava para a rua que levava à sua casa. Mas não havia portão, não havia rua muito menos casa. Só havia agora aquela casa. Ficaria eternamente ali, atormentada, apavorada, até o dia da sua morte.
Deixou-se cair no chão, sentindo as lágrimas começarem a escorrer pelo seu rosto e desejou profundamente que o dia fosse aquele, que ela morresse naquele momento, sem dor ou desespero, apenas adormecesse e não mais acordasse, nunca mais.
Mas ela não morreu, nem mesmo adormeceu, por mais que tentasse.
Fechou os olhos com força, rezando para que alguém a ajudasse, mas nenhum deus poderia fazer algo naquela casa. Ao seu redor ouvia sons e sentia movimentos, via vultos até mesmo de olhos fechados, sentia respirações muito próximas ao seu rosto e até o cheiro podre do hálito penetrava suas narinas. Ainda assim, não abriu os olhos em momento algum, nem se mexeu. Ficou apenas ali, sentada na sala das janelas apenas na sua mente, pois nenhum lugar naquela casa era algum lugar. Tudo era apenas a casa.
Ficou daquele jeito por um tempo imensurável sem nem saber se o tempo passava mesmo ali ou não. Não sentia nada, apenas o pavor que parecia afogá-la e o frio que a engolfava cada vez mais.
Fez uma última prece silenciosa, mas ao terminá-la teve certeza de que a ajuda nunca viria.

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