9 de março de 2011

continuação

Ao redor, o silêncio era absoluto.
A respiração ofegante de Isabela cortava o ar rapidamente. O ar parecia se embolar no peito, sem querer chegar aos pulmões. Ela começava a sentir falta de ar, ainda assim, o medo não havia dominado a vontade de explorar a casa.
Quantas vezes não desejara entrar ali? Que tesouros aquele lugar não podia esconder?
Aos poucos seus olhos se acostumaram à pouca luz que entrava pela janelas altas e estreitas que havia na sala.
Ela ficou parada um bom tempo no lugar onde aquele último passo a levara. Tal lugar, porém, não era aquele que ela vira antes de dá-lo.
A sala era alta, com um lustre de cristais pendendo empoeirado do teto, e ampla também. Vários sofás mofados e com o estofamento rasgado se espalhavam pelos cantos, desarrumados. O tapete que ficava no centro estava puído e com buracos em alguns lugares que pareciam ter sido abertos por fogo. Logo à sua frente havia uma das janelas altas. Por ela, Isabela via o terreno do outro lado da casa. “Que estranho” pensou ela, “Do lado de fora o terreno parece ser bem menor”. Ela não percebeu, porém, a escuridão que avançava a partir do horizonte. Talvez naquele momento ela tivesse parado apenas para que Isabela ainda não desconfiasse de nada. Depois de poucos segundos, ela desviou os olhos da janela.
Começou a andar pela sala lentamente, seus passos abafados pela grossa camada de poeira que cobria o chão.
Talvez não fosse melhor, pois não havia como algo ser melhor ou pior naquela casa, mas as crianças poderiam olhar para trás pelo menos uma vez quando entram nos lugares.
Se ela tivesse feito isso veria que, assim como o portão, o umbral desaparecera.
Onde antes havia uma porta, depois apenas um espaço vazio, agora encontrava-se uma sólida parede.
Isabela nada viu.
Sua atenção estava voltada para as coisas ao seu redor.
Chegou lentamente perto de um dos sofás. Ele um dia fora claro, mas agora estava com as almofadas rasgadas por coisas que, se ela não fosse tão inocente, perceberia que pareciam imensas garras e que aquela enorme mancha escura no meio parecia terrivelmente com sangue. Mais uma vez a garota nada viu.
Desviou sua atenção para uma sombra que aparecera no canto de sua visão. Virou rapidamente a cabeça, mas não havia nada ali, apenas a escada que subia junto à parede oposta à porta inexistente.
Se encaminhou para lá sem saber quando havia tido vontade de fazer isso.
Ao chegar à escada, o corrimão chamou sua atenção. Algumas partes dele haviam perdido lascas de madeira em marcas que formavam linhas retas. O corrimão era largo e em alguns lugares quatro dessas marcas corriam por ele paralelamente por um bom pedaço. Sem entender o porquê, Isabela se lembrou do dia em que uma amiga sua arranhou seu braço, deixando marcas vermelhas em sua pele, em vez de brancas como aquelas.
Deixou as estranhas marcas para trás sem ligar um fato ao outro, passando despercebida por um pequeno pedaço meio branco de algo encravado na madeira.
Continuou subindo a escada, dessa vez olhando para os quadros que estavam na parede. Quando estava na sala ainda, seus olhos haviam passado por eles. Lembrava-se vagamente de ter visto pessoas ali. Agora todos estavam vazios. Mas mais que vazios, eles pareciam ser infinitos. O tecido negro de suas telas parecia abrir um buraco na parede de profundidade inestimável. Isabela ficou olhando para um dos quadros por muito tempo, seus olhos presos pela escuridão que parecia sugar tudo, inclusive a pouca luz ao redor.
Os cantos da sua visão pareciam estar escurecendo lentamente e ela parecia incapaz de piscar. Sentiu que dava um passo em direção ao quadro. Porque estava fazendo isso? Ela não queria andar! Não gostava daquele quadro. Ainda assim, deu mais um. Não! Gritou mentalmente, mas seu corpo já se inclinava para a parede, a mão estendendo-se para tocar a moldura.
De repente sentiu um arrepio muito forte percorrer todo o seu corpo, fazendo-a tremer. Piscou com força e o “encanto” do quadro se desfez. Sua visão estava normal novamente e ela se distanciou um passo.
Antes que pudesse voltar a subir as escadas, porém, viu fugazmente um leve brilho no fundo do quadro, tão fraco que pensou se realmente teria visto.
Uma rajada de vento muito forte saiu de dentro do quadro, acompanhada de um grito assustador de medo, terror e ódio.
A garota deu um pulo para trás, gritando também, enquanto era açoitada pela ventania, cobrindo os ouvidos para tentar se proteger do som que fazia seus ossos gelarem. Bateu com força no corrimão e ouviu este cedendo. O barulho da madeira rachando cortou o ar e fez com que ela se movesse.
Fechou os olhos e terminou de subir as escadas correndo. Tropeçou quando elas acabaram, mais ainda assim não parou de correr. Abriu os olhos, com medo de bater em alguma coisa, mas não ousou olhar para trás.
Agora não havia mais excitação. Apenas o medo, o pânico, o terror.
Seguiu correndo por corredores sem fim que viravam e faziam curvas, sem olhar para trás e perceber que os lugares por onde ela passava desapareciam assim que ela saía deles, envolvendo-se em trevas. Penetrava cada vez mais fundo nas entranhas da casa, no labirinto interminável de seu terror.
Finalmente ela não podia mais correr. Suas pernas doíam e seus pulmões mais ainda. Caiu pesadamente no chão, encostando-se a uma parede. Abraçou os joelhos com força ao redor do peito, tentando se proteger de algo que ela nem mesmo sabia o que era.
Tentava forçar o ar a entrar pelas narinas, mas era difícil. Não conseguia normalizar a respiração. Sentia que perdia lentamente a consciência, sua visão ficando turva e escura. Piscou fortemente, tentando se manter acordada, mas foi inútil. Seus olhos se fecharam pesadamente antes mesmo de sua cabeça tombar em direção ao chão.

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