O céu estava de um negrume incrível, o verdadeiro negro, não as cores que criamos achando que são pretas. Ou estaria, na verdade, se Deus não tivesse criado as estrelas. Cada espaço livre do céu estava forrado delas, e seus brilhos distinguiam-se entre si como se fossem os DNA's delas: intensos, brilhantes, azuis, difusos, tênues, concentrados, vermelhos, fulgurantes, acolhedores, majestosos. Cada estrela brilhava conforme deveria brilhar, conforme seu tempo de vida, suas essências.
O
mar estava calmo. Aquele era um oceano. Atlântico, Pacífico ou Índico, não
tinha importância alguma. Era o mar, e sobre ele as estrelas brilhavam e nele
se refletiam.
Nas
águas a luz se perdia ao brilhar, embaçava-se e se misturava, perdia-se, e ao
ficar muito tempo tentando ver as estrelas pelos seus reflexos, logo todos eles
evanesciam, e a única coisa que o mar passava a refletir era a imensidão negra
do universo.
O
movimento era acolhedor, quase como um ninar. A água subia e descia vagarosamente,
calma e quieta, sem motivos para mostrar seu poder. Nenhum pedaço de terra
estava à vista, e por mais que isso possa ser um pouco assustador, não deixa de
ser incrível de se contemplar.
O
som que me envolvia era como o ruído que saía de uma piscina com poucas pessoas
nela. As marolas iam e vinham, com não mais que alguns centímetros de altura,
emanando aquele som que só de ouvir sabíamos que era molhado. Elas estalavam no
casco do barco e projetavam a água para cima, enchendo o ar de respingos que eram
carregados pelo vento, umedecendo minha pele, deixando o gosto do sal nos meus
lábios, o cheiro dele em minhas narinas.
O
ar ali era limpo, e o vento era puro, vento em seu estado essencial, soprando
ao meu redor como havia soprado no dia em que aquele oceano se formou, e ali
também a água era pura.
Faltavam
poucos minutos. Virei-me na direção onde o espetáculo começaria. Não havia luz
que não fosse a das estrelas, eu não queria que nada atrapalhasse o ápice da
sinfonia da natureza.
Levantei-me,
atento, observando. A qualquer momento, então...
Quando
se está em quase completa escuridão, demora-se a perceber que a luz está surgindo.
Porém, começa-se a notá-la muito tempo antes do que o comum.
Um
brilho muito, muito tênue, delineou a borda do mundo, onde o oceano acabava e
iniciava-se o céu, o verdadeiro horizonte. O brilho se espalhou por uma área
maior do que aquela que minha visão conseguia abranger, tão fraco nas pontas
que eu mal conseguia percebê-lo.
Gradualmente,
a luminosidade foi aumentando. Ainda era noite escura e densa, mas as estrelas
começavam a perder sua soberania, seus brilhos diminuíam lentamente.
Metade
do horizonte já refulgia com um brilho de ouro-avermelhado que deixava de ser tênue
e difuso para se tornar intenso e caloroso, fino nas extremidades, refulgente e
alto no centro, crescendo mais e mais.
A
qualquer momento, então...
Um
raio dourado o precedeu, correndo pelo céu como a emanação de um sentimento. No
instante seguinte, a água incendiou.
A
borda vermelha do sol descortinou a noite. A escuridão do céu dissolveu-se
rapidamente, como se este fosse um líquido tingido com um corante escuro ao
qual gradualmente acrescentassem água límpida. Na outra ponta do horizonte, os últimos
vestígios das estrelas desapareciam no azul escuro que já tomava conta do céu
por ali.
Por
todo o meu corpo, eu sentia o calor da luz que me tocava, intenso e puro,
quente como o contato entre dois corpos nus, como se uma mão gigantesca me
envolvesse ternamente.
O
mar movia-se da mesma forma que antes, calmo e lentamente, mas as ondas próximas
ao horizonte não mais eram feitas de água, mas de fogo líquido e incandescente,
eternamente mutável em forma, intensidade e cor, como se algum deus tivesse
conseguido transformar labaredas em uma substância que podia ser tocada,
mensurada e manipulada, e ao mesmo tempo em que a água brilhava como se a luz
fosse própria dela, refletia os raios para todos os lados, e as pequenas nuvens
de água que o vento levantava prismavam esses raios, e centenas de arco-íris se
formavam e desapareciam incessantemente, conforme o vento brincava com eles,
dono de seus destinos.
O
sol se moveu e seu fogo se espalhou, como se de uma hora para a outra tivesse
se aproximado da Terra e a incendiado. O disco, vermelho como o sangue,
erguia-se lentamente, e já não mais havia um pedaço de céu que não fosse de um
azul límpido e profundo, ou então vermelho e intenso, no caso das partes que
ficavam próximas ao sol, e eu sentia como se meu corpo estivesse prestes a
queimar também, cada centímetro de pele aquecendo-se cada vez mais enquanto o
ele continuava sua caminhada rumo ao céu.
A
cor – do céu, do sol das águas e do ar – foi diluindo-se, passando do vermelho,
ouro-avermelhado, branco e arco-íris, ao dourado, amarelo, azul e incolor. A água
se aquecia, a vida despertava no mundo, os ventos se movimentavam mais,
ganhando os céus, movimentando o planeta.
Por
fim, o sol desgrudou-se do horizonte. As águas se apagaram e passaram apenas a
refletir o fogo que brilhava no alto. Contudo, em suas ondas estavam os vestígios
inconfundíveis daqueles que eram tocados pelo sol. Eles estavam em seu
movimento, nos vapores que subiam lentamente enquanto ela evaporava, estavam em
sua temperatura, e nos peixes que circulavam próximos à superfície.
Respirei
fundo, sentindo o toque do sol no ar que entrava nos meus pulmões. Fechei os
olhos enquanto sentia a sinfonia da Terra terminando o clímax do nascer de um
novo dia.
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